PÈRÈGÚN, A DONZELA ARROGANTE

Posted by on 9 de março de 2013

 

Dracaena fragans- Peregun verdadeiro

Pèrègún era uma bela donzela e filha única de um jovem casal. Com o passar do tempo a donzela cresceu, sendo dotado de uma beleza que atraia a atenção de todos. Era costume da aldeia que os pais procurassem um noivo para suas filhas quando as mesmas atingissem determinada idade. Entretanto a jovem recusava a todos, pois se achava bela demais para casar com qualquer um. Sempre inventava uma desculpa ou defeito para o pretendente.

Diante das sucessivas recusas de sua filha a mãe de Pèrègún lhe dizia: “Osàn tó rí gbajúmò ti kò wò, eiye igbó lásán ló maa fi mu! (Qualquer laranja madura que não cai em bom momento para servir de comida aos homens acabará sendo devorada pelos pássaros selvagens). A jovem ouvia o conselho da mãe, irritada, e dizia que só se casaria com um homem que considerasse muito especial. Com o tempo todos da aldeia já conheciam a fama da jovem Pèrègún, a donzela prepotente e arrogante. A notícia se espalhou por outras aldeias e cada vez mais pretendentes se aventuravam para conquistar o coração da bela Pèrègún.

 

Certo dia apareceu na aldeia um jovem de uma beleza sem igual, com o porte de um príncipe, montado em um garboso cavalo branco. Assim que Pèrègún avistou o desconhecido se apaixonou por sua figura imponente. O jovem informou que vinha de um reino distante e que havia chegado àquela aldeia para se candidatar a mão de Pèrègún. A jovem estava encantada e aceitou o pedido de casamento na hora, sem nem ouvir a opinião de seus pais.

Segundo os costumes iorubanos não se contratava casamento antes de se conhecer a linhagem do pretendente, suas raízes, quem eram seus pais. Por isso os pais de Pèrègún insistiram para que ela desistisse da ideia de se casar com aquele desconhecido. De nada adiantou, a jovem ainda disse: Que se dane a Tradição! Tradição idiota!

 

 

Pèrègún kò/ Dracaena fragans var. Massangeana

Como nenhum argumentou funcionou o casamento foi marcado, porém sem as etapas e cerimônias costumeiras de idana, ou seja, sem trocas de presentes e pagamento de dote por parte dos familiares do noivo à família da noiva. Após todas as festividades o noivo pediu a permissão dos pais para levar sua noiva para o seu reino, que com muito choro e tristeza lhe foi entregue. Toda a família seguiu em caravana, acompanhando a jovem até os portões de saída da aldeia, momento em que Pérègún e sua mãe começaram a trocar o tradicional èkún ìyàwo (cantigas de lamentação que a tradição iorubá obriga cada noiva a recitar, recitando na noite do seu casamento, no momento doloroso da despedida de seus familiares. Essas cantigas representam um diálogo entre a noiva e sua mãe no momento de despedida). A jovem entretanto sequer se lamentou pela separação simbólica de sua família, pelo contrário, respondia de forma arrogante, dizendo que não queria ser importunada por seus pais durante seu casamento.

 

O diálogo entre mãe e filha seguiu até o terceiro portão que demarcava o final da aldeia. A partir daquele ponto Pèrègún e seu marido seguiriam sozinhos. Os dois cavalgaram pela estrada até ao se afastarem o suficiente da aldeia, seu marido começou a seguir para a floresta. Após caminharem na floresta por toda a noite os dois chegaram a uma clareira nomeio da floresta, onde seu marido desceu do cavalo. A jovem se alegrou, pensando se tratar de uma pausa para descansar da viagem.

Para a surpresa da jovem, seu marido começou a despir seus trajes finos. Depois disso ele arrancou um de seus braços, jogando-o longe e agradecendo aos gritos: Obrigado por ter me emprestado o braço, estou devolvendo! Da mesma forma o belo rapaz foi se livrando de seu outro braço, pernas, tronco e pescoço. Sempre lançando para a floresta e agradecendo. Pèrègún observou a tudo, petrificada. A única parte que sobrou foi a cabeça, que parecia muito maior que de costume.

 

 

Pèrègún de Oxumaré

A jovem donzela quis fugir, diante daquele espetáculo macabro, mas foi subjugada por seu marido, ou melhor, o que sobrara dele. Aos berros ele dizia: – Você não disse aos quatro cantos do mundo que só se casaria com um príncipe, pois bem peguei emprestado com meus amigos espíritos das florestas as partes de um corpo e me transformei no seu tão sonhado príncipe. Olhe bem para mim, eu sou um iwín, um espírito da floresta! De agora em diante você será minha esposa e minha escrava, terás que fazer tudo que eu lhe ordenar. Nunca mais verás seus pais ou familiares!

 

De nada adiantou o choro e as lágrimas de Pèrègún, daquele dia em diante todos que se aventuravam a caminhar pela floresta nas altas horas da noite poderiam cruzar com um iwín sem corpo que arrastava consigo uma bela donzela, que chorava o tempo todo.

TEXTO ADAPTADO DO LIVRO: PÈRÈGÚN E OUTRAS FABULAÇÕES DA MINHA TERRA( CONTOS CANTADOS IORUBÁ-AFRICANOS)- AUTOR: FÉLIX AYOH’ OMIDIRE- EDITORA: EDUFBA, SALVADOR, 190 p., 2006.

Entendendo melhor a lenda de Pérègún:

Dracaena arborea- Árvore dedicada a Ógún

1-No folclore iorubano, os espíritos da floresta se classificam em dois grupos: os iwin e os òrò igi. Enquanto os primeiros seriam espíritos malignos, com formas assustadoras, que fazem mal a pessoas imprudentes que se aventuram nas florestas, o segundo grupo é constituído por espíritos que moram dentro das igi (árvores), ou seja, representam a alma viva das próprias árvores e protegem as mesmas de abusos humanos, podendo tomar formas humanas para poderem se deslocar, quando necessário.

2-Nas casas de Candomblé é muito difundida a lenda (itan) em que Osalá cria as árvores e junto de cada uma também cria um iwín, espírito que irá habitar o seu interior. Daí, ser costume a palavra iwín anteceder o orunkó da maioria dos iniciados para esse orixá.

3-Também é costume o plantio de mudas de pèrègun em volta das árvores sagradas existentes na roça de Candomblé, uma clara associação com a lenda de Pèrègún. Ou seja, Pèrègún deve continuar acompanhando seu esposo, Iwín.

4-A lenda de Pèrègún nos remete a necessidade de se manter as tradições vivas, e também aos riscos que corremos quando deixamos de cumprir os preceitos que nos são impostos, principalmente em decorrência de nossa vaidade.

TEXTO ESCRITO POR  JONATAS GUNFAREMIM

4 Responses to PÈRÈGÚN, A DONZELA ARROGANTE

  1. Vanessa Soares

    Parabéns pela bela narrativa mítica, que a donzela Peregun sempre nos proteja de todos os males. E, que a aparência nunca anteceda ao carater e os valores ancestrais.
    Um forte abraço, e sua benção!

    • Gunfaremim

      Axé Caçadora! Que sejamos humildes sem sermos submissos e que os espíritos dancem sempre aos nosso favor.

  2. Diana

    pesquisando no google, sem querer acabei vendo uma folha de fortuna com nome de folha da costa no seu site. mas eu aprendi q folha da costa é o saião. qual é o certo?

    • Gunfaremim

      Prezada Diana, a folha da fortuna não é a mesma que a folha da costa. A folha da costa é chamada nas casas de candomblé pelo nome de odundun, folha da costa ou ainda saião. Mas é bom deixar claro que estamos falando de nomes populares, e estes podem variar de uma região para outra. Abraço fraterno.

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