O PODER DO MACHADO DE XANGÔ (Reportagem)

Posted by on 18 de novembro de 2019

Cultuar as folhas é cultivar a Ancestralidade, a Memória, as Raízes.. Nesse caminho. torna-se fundamental o entendimento de quem somos e de onde viemos. Assistam a esse belíssimo documentário de 1973, tempo em que o Candomblé se apresentava de forma legítima, sem a presença maciça de Doutores e acadêmicos, mas com a gente de terreiro. Embora algumas imagens possam ser fortes, no sentido de exibir alguns dos awos (mistérios), a forma com que as mesmas se revelam é natural, demonstrando o quanto estamos nos afastando de nossa essência nos dias atuais. Sempre lembrando que, apenas os verdadeiros iniciados conhecem o que se esconde por detrás do mariwo.. Ewe o Ossayin! Iroko ko ni silé!

Texto escrito por JONATAS GUNFAREMIM

 

 

Obá Iná Orixá Xango

O PODER DO MACHADO DE XANGÔ (Reportagem)

Co-produção com um canal de televisão Francês, com a orientação do antropólogo Pierre Verger, O Poder do Machado de Xangô é a prova viva de que uma reportagem-documentário de TV pode sim seguir os moldes clássicos do documentário sem cair no desencantamento de seus objetos.

 

Sérgio Chapellin abre o programa com um discurso curioso para os moldes atuais do telejornalismo Global: condenam a ignorância das origens sociais, as pretensões reducionistas e afirma a importância da resistência cultural negra no país – em tom quase emotivo, o âncora abre espaço para um dos melhores documentários televisivos já realizados sobre a temática negra no Brasil: Com uma trilha sonora expressiva, o filme é todo permeado pela voz do narrador mas, surpreendentemente, não se entrega às tentações reducionistas: conta a história da viagem de um homem brasileiro, Balbino, à África de seus antepassados e tenta mostrar mais do que revelar.

 

O filme esboça os sinais da cultura negra em Salvador, faz um resumo das principais tradições e, num pequeno histórico, chega à expressão máxima dessa resistência cultural: a religião. São poucos os depoimentos antes que o filme se aproxime de vez de seu personagem principal e sua viagem. Apesar de mediadas pela voz de Chapellin, as imagens começam então a tomar o controle do filme: São elas, que nos trazem a força dos rituais e os sons das vozes, que nos colocam num espaço de encantamento raro na TV dos dias de hoje. Aos poucos, a voz off também vai se entregando ao espaço imaginário do filme e a descrição dos fatos objetivos dá lugar a frases como: “E então, a mulher entra em transe, possuída por Oxalá…”

 

Essa afirmação taxativa em torno do que poderia ter sido descrito como crença, ou traduzido para explicações científicas, é uma verdadeira raridade da televisão brasileira. As imagens do culto não recebem qualquer explicação além da nomeação dos orixás presentes e uma certa orientação para os olhares menos acostumados: “Esse que vemos agora é um Egum, Babáologojó”. Essas descrições não se tornam monótonas pois são filtradas pela presença significativa de Balbino, o jovem brasileiro que vai à África em busca de um templo de Xangô.

 

Na cena mais bonita do filme, Balbino, com dificuldades de comunicação com seus antepassados do Benin, começa a cantar um hino de candomblé: Aos poucos, e isso a câmera observa silenciosamente, os africanos começam a balançar as cabeças, movem seus corpos, dão uma espécie de sorriso e começam a cantar juntos a mesma música de Balbino. Essa imagem por si só, resumiria toda a energia de identidade cultural que o filme carrega. A partir daí, Balbino começa a descobrir nas ruas os vestígios de suas origens culturais. Descobre finalmente um templo de Xangô: Lá, a câmera nos mostra com cuidado e paciência os rituais de surgimento de Xangô (aparecido no meio da multidão na imagem de um homem). Xangô (e o documentário o trata assim) caminha no meio da multidão, olha para a câmera…Grita! Não há Chapellin que resista a essas imagens:

 

“Foi então que Balbino entendeu…Finalmente ele sabia: Balbino era Xangô!…”. Essa frase anuncia o último bloco do programa, quando Balbino chega de volta a casa e mostra os presentes trazidos para a família.Caminha por uma Salvador de trios elétricos e vai “descobrindo os nomes de orixás em cada esquina, nomes de lojas, hotéis, restaurantes…” É então que Balbino se traveste de orixá pela primeira vez e começa a dançar. Sem que nenhum comentário seja feito, o homem Balbino se retorce diante da câmera e recebe Xangô. Não há off que se agüente em sua frieza: “A poderosa herança de Balbino surge diante de nós”. Chapellin termina o programa com um discurso de defesa não só da diversidade cultural dos povos como com uma espécie de mea culpa Global, baseado num atrapalhado cientificismo: “A própria ciência moderna tem considerado possível a existência de realidades paralelas…”. Impagável justificativa. Traço de um telejornalismo mais rico e menos reducionista, que não se atém às friezas da mera informação narrada e dá espaço à expressividade insubstituível das imagens e de seus personagens.

Um Globo Repórter que embarca em seu tema, e que se deixa levar (quase por inteiro) pela energia própria daquilo sobre o que fala. Muito diferente do caráter de turistas distanciados, de cientistas imparciais, comum aos atuais programas da emissora. A personagem encantada de Balbino susbstitui a figura do repórter-herói, deixa de lado o expedicionário Global bem comportado.

Acervo Centro Cultural Brasil Africa


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