ADUPÉ, ADUPÉ!

Posted by on 29 de junho de 2020

“Você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui..”

Doutor Jonatas José Silva, Gunfaremim

Uma semana se passou, desde a Defesa da minha Tese. E os pensamentos foram assentando, aos poucos a “ficha vai caindo”. Tantas histórias foram vividas, e quanta gratidão em saber que jamais percorri essa estrada sozinho. Rememorando, traço uma linha, onde tudo começa a partir de meus Ancestrais: Meu pai Luiz Carlos da Silva, carioca, e minha mãe Tânia Soares da Silva, amazonense. Ambos portadores de um “dedo verde” e que me ensinaram a ter amor e respeito pelo mundo vegetal. E isso, eles herdaram de meus avós. Como não me lembrar de minha avó paterna, Maria Emília, que tudo plantava e brotava, sempre cercada por inúmeras plantas. Ou as histórias vividas às margens do Rio Amazonas, por minha avó materna, Raimunda, nome que os brancos a deram, e que infelizmente não pude conhecer. Duas mulheres extremamente fortes e que sempre admirei.

O tempo segue seu curso, me apresentando ao Candomblé, a Agué e Ossayin, divindades das folhas. E a voz da Ancestralidade, adormecida dentro de uma sociedade ocidentalizada e preconceituosa, desperta. Me entrego, de corpo, espírito e coração a Ela, entendo que a minha forma de viver e ver o mundo jamais seriam a mesma. As cores ganharam um novo brilho, e novamente o verde estava lá, muito presente. E sempre com o incentivo e esforço sobre-humano de meus pais, inicio um novo ciclo de minha vida: Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Infelizmente, pude observar que a presença de pares, negros, era quase que ausente. Nesse momento, já entendia que a desigualdade nas oportunidades seria uma companheira sombria, sempre a espreita. Mas também entendi que precisava vencê-la. E, sob a orientação dos professores Marly Veiga e Leonardo Carneiro, concluí inicialmente minha licenciatura e depois meu bacharelado em Biotecnologia Vegetal. Pessoas especiais, que me introduziram no mundo da Ciência e que jamais esquecerei.

Mas a Ancestralidade jamais deixou de estar presente e direcionando essa trajetória. Ogun, Oguian e Ossayin me levaram até Cachoeiras de Macacú, onde meu destino me aguardava. Lá conheci o Professor, Escritor e Babalorixá José Flávio Pessoa de Barros, Papai Flávio. Sob sua orientação reafirmei ainda mais minha Ancestralidade, resgatei informações que desconhecia e iniciei o meu aprendizado religioso. E tinha que ser com Ele, um etnobotânico, filho de Oxaguian, Olossayin. Quem me apresentou, e encarregou de cuidar das árvores sagradas Okikan, Danko e Iroko. Que honra poder completar todas as minhas obrigações com o senhor Babá mi. Mas como o senhor sempre dizia (que era duplamente repetido por meu pai, Luiz): “ E os estudos meu filho?”

Sim, não poderia parar. E segui, através de uma bolsa concedida, para especialização em Engenharia Ambiental e Sanitária, na UERJ. Novamente, me deparei com a ausência de meus pares, constante ao longo dessa trajetória. E no meio dos cálculos, integrais, derivadas e legislações ambientais as folhas me acenaram um caminho: a fitorremediação, uso de plantas para tratamento de áreas degradadas. Nesse projeto, segui com a orientação da professora Márcia Marques, que passou posteriormente a ser minha orientadora de Mestrado, no Programa de Engenharia Ambiental (UERJ). Sob a sua orientação aprendi e pude vivenciar a experiência dos grandes projetos ambientais. O destino prega peças, e o que seria uma Dissertação sobre Fitorremediação se transforma em um estudo de avaliação de impactos ambientais, financiado pelo CEPEL-ELETROBRAS. O desafio foi grande, mas como ser filho de Ogun sem uma boa dose de desafios? Que bom ter encarado e vencido.

O tempo passou e com ele chegaram outras responsabilidades, ministrar aulas na rede Estadual e Municipal do Rio, ser omo orixá, estudar e entender melhor a religião que faço parte, auxiliar no cuidado a outras pessoas. Momento em que sou contemplado com a orientação do querido Professor, Escritor e Babalorixá Eduardo Napoleão, São Pedro, filho de Ayrá. Com ele, mergulho no mundo das folhas sagradas, das práticas ritualísticas e da experiência religiosa. O projeto de Doutorado vai sendo deixado de lado, pois são muitas atribuições para dar conta. Mas o som da voz de Papai Flávio continua ecoando: “E o Doutorado meu filho?”.

Nesse momento a mão do destino se apresenta e, através de uma pessoa muito especial, e que chamo carinhosamente de “fada madrinha”, Aline Castelar, conheci a professora Suzana Leitão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para buscar uma orientação para o Doutorado. Novamente o destino prega peças, e através da querida professora Suzana passo a ser orientado pelo professor Danilo Ribeiro, que de acordo com minha irmã Ana de Oxum é filho de Oxaguian. Orixá é mesmo um mistério, e enviou um anjo para me orientar. Como sou grato por sua gentileza sem fim, sua paciência extrema e seus puxões de orelha necessários, para que eu não me desviasse dessa trajetória. Gratidão imensa professor Danilo! Sob a sua orientação chego até o momento presente, concluindo e defendendo a minha Tese de Doutorado: Estudo etnofarmacológico de plantas e preparados tradicionais empregados no Candomblé Ketu.

Com folhas de ewe buje (Jenipapo)

Ao longo desses quatro anos de Doutorado, eram poucos e raros os alunos negros, o que me fez refletir o quanto ainda precisamos lutar. Esse trabalho representa não apenas a minha luta, mas a de todo um povo. Não foi fácil apresentar uma Tese envolvendo o Candomblé, em um curso de Farmácia, mas desejo que essa semente germine e gere muitos frutos. O Candomblé produz muito conhecimento, e ajudou a preservar e manter vivo no Brasil a memória de vários homens e mulheres que aqui chegaram. Destituídos de bens físicos, mas repletos de fé, conhecimento e valores, carregados em seus corpos, mentes, espírito e coração.

A gratidão é um sentimento que nos aproxima da humanidade. Como terminar meu depoimento sem descrever a gratidão imensa, não apenas aos meus pais, mas a duas, das três pessoas mais importantes da minha vida: minha irmã Vanessa Soares da Silva, que esteve comigo em cada minuto de minha trajetória. Minha irmã várias vezes e que, a partir da educação proporcionada e incentivada por nossos pais hoje é Especialista em Educação e Relações Étnico Raciais pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, iniciada para o orixá Oxóssi e futura Doutorando. Filipi Muniz Navegantes, pessoa iluminada, sempre com seu sorriso e doçura, bacharel em Direito e Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, meu companheiro fiel que presenciou cada momento do processo de Doutorado, sempre me incentivando e apoiando. Filho de Logun Edé, o próprio encanto. O destino nos uniu não tenho dúvidas. Vocês são meus amores, e os carregarei sempre onde estiver.

Essa história não termina aqui, mas essa luta continua, para que tenhamos cada dia mais Doutores e Doutoras pretos e pretas, que se orgulhem de sua Ancestralidade e de suas Tradições. Um segurando a mão do outro e puxando vários. E como dizia Mãe Aninha Iyá Obá Biyi: “Quero ver meus filhos de anel no dedo, aos pés de Xangô!” Kabiesí! Ewe o! “Andar com fé eu vou, a fé não costuma falhar..”

Email para contato: posseidonetuno@hotmail.com

Jonatas Gunfaremim: (21) 99755-1157

 

 

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