ADURA OSANYIN

ADURA OSANYIN

 

Esinsin abedo kinnikinni,

Akepe nigba oran,

Elese kan ju elese meji,

Ewe gbogbo kiki oogun,

Ewe a je, oogun a je fun mi,

Loni emi fe ire re,

Osanyin jowo fun mi nire,

Fun mi ni ola,

Wa wo mi san,

Ki o si fun mi ni aabo,

oro ati alafia.

 

Pessoa que tem fígado como cristal,

Pessoa que a gente chama nas dificuldades,

Pessoa de uma perna só e que é mais forte do que aqueles com duas pernas,

Para você todas as folhas são medicinais,

As folhas vão funcionar para mim,

Hoje eu quero a sua bondade,

Mê dê a honra,

Venha me curar,

Para que você me dê proteção, prosperidade e paz.

Axé!

Ossanyin e Aroni

FONTE: “ÀDÚRÀ” A magia das rezas dos orixas africanos. Ademola Adesoji. 1992.

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DICA DE LEITURA: “EQUEDE- A MÃE DE TODOS”/ GERSONICE AZEVEDO BRANDÃO

Equedes Sinha de Oxóssi, Nem de Ogum (Angélica Ribeiro da Silva), Marineide Ferreira Conceição de Oxalá, Maridalva Ferreira Conceição de Oxóssi, e as irmãs Liliane e Nadja Chagas de Oxum. Foto: Dadá Jaques.

“Será lançado no próximo dia 8 de março, às 19h, dia internacional da mulher, o livro “Equede – A Mãe de Todos”, no Terreiro da Casa Branca, em Salvador.

 

A publicação é um testemunho de Gersonice Azevedo Brandão, conhecida como Equede Sinha, que mostra a importância, o respeito e o reconhecimento do cargo de equede dentro do candomblé.

 

 

 

 

 

 

 

 

O cargo concentra os poderes maternais do acolhimento, da concepção, do cuidado e da educação. Além disso, o livro é histórico, já que a vida de Sinha, parida dentro do terreiro da Casa Branca, se funde com a história do mais famoso terreiro de candomblé nagô do Brasil.

 

 

(Foto: Editora Barabo/Divulgação)

Com 172 páginas e mais de 200 fotos – tanto do acervo pessoal da autora e da Casa Branca, quanto dos fotógrafos Dadá Jaques, Flávio Damm, da Fundação Pierre Verger. No livro, também há ilustrações exclusivas do artista Carlos Rezende. O livro, organizado por Alexandre Lyrio e Dadá Jaques, traz ainda histórias inéditas, como a invasão do Posto Esso imposta contra o terreiro na década de 70.

(Foto: Editora Barabo/Divulgação)

 

O livro Equede – A Mãe de Todos é uma declaração de amor da Equede Sinha ao povo de axé e especialmente à família da Casa Branca, a sua mãe biológica, vovó Conceição e as entidades de luz, os Orixás. Uma leitura que ensina um pouco da cultura afro-brasileira e muito da nossa história. E como diz a própria autora. Equede é mãe. De Exu a Oxalá.”

Texto publicado no site: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/02/livro-equede-mae-de-todos-tera-lancamento-no-terreiro-da-casa-branca.html

 

Lançamento do livro na Casa Branca do Engenho Velho- Salvador (Foto: Editora Barabo/Divulgação)

(Foto: Editora Barabo/Divulgação)

 

Autora: Gersonice Equede Sinha Azevedo BrandãoLivro: Equede – A Mãe de Todos

Organização: Alexandre Lyrio e Dadá Jaques

Editora: Barabô (Salvador, 2016)

Valor: R$ 150,00

Leia a matéria completa em: Equede: A mãe de todos − um livro sobre amor, ancestralidade e mulheres de partido alto – Geledés http://www.geledes.org.br/equede-mae-de-todos-um-livro-sobre-amor-ancestralidade-e-mulheres-de-partido-alto/#ixzz4ABUoIAqE

 

Gunfaremim tietando mãe Sinha

 

 

Grande noite de autógrafos na Casa Branca

 

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AS FOLHAS FUNCIONAM! AS FOLHAS NOS DEFENDEM!

“Ewé pélé pé aní tó pé o, ewé pélé pé aní tó pé,

Obé pèlé pé, a fun pèlé bé

Làkà ká a fún o ní féréré, ewé pèlé pé a ní to pé o”

 

Como afiado é o fio da faca, que as folhas sejam como a faca que nos protejerá de todo mal.

E que em todos os lugares encontremos a felicidade!

Axé!

 

 

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DICA DE LEITURA: ORDEP SERRA/”O mundo das folhas”

 

 

O mundo das Folhas- Ordep Serra

Livro publicado em 2002 pela Universidade Estadual de Feira de Santana, tendo por organizadores Ordep Serra, Eudes Velozo, Fábio Bandeira e Leonardo Pacheco. Contém seis ensaios, além da Introdução assinada pelos organizadores. O estudo intitulado “Um banco de folhas”, escrito por Ordep Serra, Fábio Bandeira e Jussara Dias, traz, além de uma descrição esquemática, a explicação da estrutura do banco de dados sobre a etnobotânica dos candomblés de rito nagô na Bahia que resultou da PESQUISA OSSAIN II, realizada por uma equipe multidisciplinar sob a coordenação de Ordep Serra.

Segue-se o estudo de Ordep Serra intitulado “Ossain e seu mundo: a etnofarmacobotânica dos candomblés nagôs da Bahia”. Vem depois o ensaio “A etnofarmacologia dos terreiros nagô-baianos”, de autoria de Eudes Velozo, Maíra M. Barreto, Eleodora Lopes de Jesus e Cinara Vasconcelos da Silva. O ensaio seguinte, um estudo lingüístico intitulado “As folhas e os nomes”, é de autoria de Marina Martinelli. Seguem-se, finalmente, dois estudos de Leonardo Pacheco, intitulados, respectivamente, “Estratégias de obtenção de plantas de uso litúrgico em terreiros de candomblé de Salvador” e “No princípio, o mercado: comércio de plantas para fins medicinais e religiosos na Feira de São Joaquim, Salvador, Bahia”.

 

 

Editora: UEFS/EDUFBA
Autor(es): SERRA, O. J. T. (Org.) ; VELOZO, E. (Org.) ; BANDEIRA, F. (Org.) ; PACHECO, L. (Org.)

237 páginas
1ª edição (2002)
Assunto: Antropologia, Teoria Antropológica, Estudos de Gênero, Antropologia da Religião, Ritos Afro Brasileiros, Candomblé; folhas; etnobotânica; Etnobiologia; etnoecologia; Nagô.

ISBN: 8573950862

 

LEIA UMA NOTA SOBRE O LIVRO CLICANDO AQUI: https://ordepserra.files.wordpress.com/2008/07/nota-sobre-o-mundo-das-folhas1.pdf

 

LEIA TAMBÉM: http://etnoecologia.uv.mx/Etnoecologica/Etnoecologica_vol4_n6/frame_sup_art_ordep_etal.htm

 

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SALVE AS FOLHAS! EWE O!

Ako bile Agué o

Ako bile ile

Ae ae Agué

Ae ae Ossayin

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Ewe mehuntó, ewe mehuntó

Ewe mehuntó a insaba la titun

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Ewe Agué, ewe Agué

Ewe Agué, a insaba ba unló

Jardim Botânico do Rio de Janeiro- Escultura de Tati Moreno

Jardim Botânico do Rio de Janeiro- Escultura de Tati Moreno

Ê tobojo ague tororô

Ê zambê ague mahumbê

Ê tobojo ague tororô

Ê zambê ague mahumbê

 

Jonatas Gunfaremim

 

Jardim Botânico do Rio de Janeiro- Escultura de Tati Moreno
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O culto às folhas sagradas no candomblé, sustentabilidade e saúde

Jonatas Jose Luiz Soares da Silva

Vanessa Soares da Silva

1- Introdução

 

Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava no lugar. A água. O som. A luz. Na nossa harmonia. O texto oral. E só era texto não apenas pela fala, mas porque havia arvores, parrelas sobre o erepitar de braços da floresta. E era texto porque havia gesto. Texto porque havia dança. Texto porque havia ritual. Texto falado ouvido e visto. E certo que podias ter pedido para ouvir e ver as estórias que os mais velhos contavam quando chegastes! Mas não! Preferiste disparar canhões. A partir daí, comecei a pensar que tu não eras tu, mas outro, por me parecer difícil aceitar que da tua identidade fazia parte esse projeto de chegar e bombardear o meu texto. Mais tarde viria a constatar que detinhas mais outra arma poderosa alem do canhao: a escrita. E que também sistematicamente no texto que fazias escrito intentavas destruir o meu texto ouvido e visto. Eu sou eu e a minha identidade nunca a havia pensado integrando a destruição do que não me pertence. (RUI, 1985)

 

A diáspora africana foi uma das maiores dos tempos pré-modernos. Ela integra a população, que resulta da deportação dos africanos da época do tráfico escravagista dos séculos XVI ao XIX e de seus descendentes pelo mundo, aonde, dentre as diferentes rotas, chegaram ao Brasil. (HEIWOOD, 2008)

O termo diáspora é utilizado para designar o conjunto dos membros de uma determinada comunidade, dispersos por diversos países, embora durante muito tempo tenha sido associada principalmente à dispersão de judeus na Antiguidade. Segundo sua etimologia a palavra “diáspora” deriva do grego sporo (semente) e speira (semear).

Conforme nos informa Lopes (2004), a partir da diáspora africana, ou melhor, com a vinda forçada de negros africanos, estes trouxeram seus rituais e sua visão do mundo vegetal para o “Novo Mundo”. Foram diversos os grupos étnicos que aqui aportaram em levas sucessivas. Primeiro o grupo banto, nos séculos XVI (negros da Guiné) e XVII (negros de Angola). Depois chegaram os Jeje-Nagô, nos séculos XVIII e XIX (negros da Costa do Marfim e do Dahomé), inclusive durante o período de proibição do tráfico, entre 1816 e 1850.

A chegada dos Jeje-Nagô no continente americano ocorreu principalmente entre os anos de 1770 a 1850, em decorrência das guerras de conquistas e as quedas dos reinos de Oyó e Ketú (a partir de 1789), com o ataque do rei de Abomey, capital do Dahomé (atual Benin) a estes dois reinos. Este rei, aliado dos colonizadores europeus, forneceu grandes contingentes de escravos, que foram trazidos para a América.

Esses homens e mulheres, ao serem escravizados, foram destituídos de diversos elementos que lhes conferiam identidade, privados das condições de prosperar na sociedade, de serem respeitados como seres humanos e da chance de constituir uma família. Entretanto, no meio de toda adversidade se uniram à surdina das senzalas, revivendo suas memórias e reconstruindo sua cultura. Segundo Bastide (1958, p. 67),

A África enviou ao Brasil criadores e agricultores, homens da floresta e da savana, portadores de civilizações totêmicas matrilineares e patrilineares, pretos conhecendo vastos reinados, outros não tendo mais que uma organização tribal, negros islamizados e outros animistas africanos possuidores de sistemas religiosos politeístas e outros, sobretudo adoradores de ancestrais de linhagem.

Muitas práticas culturais foram utilizadas como forma de socialização da diáspora africana no Brasil. Sodré (1983, p. 132) nos informa:

Se os folguedos, as manifestações religiosas, ‘as brincadeiras’ eram permitidos pelo ‘senhor branco colonizador’, as populações negras utilizavam estas práticas para reviver os ritos, cultuar os deuses e manter-se ‘identificados’, compartilhando uma origem comum.

É nesse contexto que vai se moldando o candomblé, resultado dos mitos, rituais, símbolos e da linguagem sagrada, que viajaram na diáspora e foram recriados em terras brasileiras.

Certeau (1994) afirma que os cultos religiosos foram, ao longo da história das populações africanas no Brasil, um lugar de negociação, de resistência e também de táticas. Nos chamados terreiros ou roças de candomblé a tradição foi sendo mantida, e ao mesmo tempo, ressignificada em seu cotidiano, estabelecendo assim seu registro e sua marca no espaço urbano. (CARVALHO, 1992; AMARAL, 1996) É importante ressaltar que, apesar da cultuada simbologia e tradição, a prática do Candomblé ainda sofre com o estigma da marginalização, que está intimamente ligada a séculos de estereótipos e preconceitos. (CARVALHO, 2005; NASCIMENTO, 2008; SILVA, 2009)

 

2 Os vegetais e o sagrado

 

O estabelecimento de diferentes abordagens na atenção primária em saúde, segundo o Ministério da Saúde preconizam a atuação de opções preventivas e terapêuticas de saúde. Neste sentido, as comunidades tradicionais de terreiro são espaços que agregam, acolhem e aconselham uma gama significativa da população brasileira historicamente excluída do sistema de saúde.

Sabe-se que muitas plantas cultivadas nos terreiros têm um emprego sacro na religião dos orixás, inkicies e voduns (nomes que recebem as divindades africanas). Associadas a dedicação de oferendas alimentares produzidas à base de plantas domesticadas constitui-se num sistema fundamental, indispensável ao funcionamento dessa religião. (BARROS; NAPOLEÃO, 1999) A liturgia das folhas associada à ritualística religiosa implica também no emprego de plantas colhidas em áreas não cultivadas. Podemos afirmar que essa liturgia é tão fundamental para a prática do candomblé que o mesmo não sobreviveria sem o culto às folhas. Essa afirmação pode ser ilustrada a partir de um ditado iorubá muito conhecido nas casas de candomblé: “Kó sí ewé, kó sí orisá”. Ou seja, sem folha, sem santo. (BARROS, 1993; BARCELLOS, 2008)

Neste sentido, refletir sobre as práticas de saúde, a partir dos saberes e fazeres dos povos das comunidades tradicionais é rever um tempo, em que pretos e pobres estavam sujeitos à própria sorte de doenças e o conhecimento que possuíam serviam para a garantia e a sobrevivência de si como dos seus.

Negros e negras eram exímios manipuladores de ervas com fins mágicos, tanto para o preparo dos filtros de amor, visando estimular o apetite sexual de seus senhores, com o intuito de seduzi-los, muitas vezes para se vingarem de suas patroas, como, também, sabiam preparar poções poderosas capazes de enfraquecer o cérebro dos senhores, fazendo-os cair em inanição e morrer latentemente. Visavam também dar aos feitores a fim de torná-los mais brandos na convivência diária. (CAMARGO, 2007, p. 31 )

Tais práticas de saúde, a guisa de exemplo, proveniente dos conhecimentos tradicionais de uso das folhas medicinais podem ser citados a partir do manuseio e da manipulação de algumas folhas como: o akonijé (nome vulgar: papo de peru), atribuído aos orixás do panteão iorubano Oxum e Ossain, desaconselhado às mulheres grávidas, em virtude de suas propriedades abortivas. (BARROS; NAPOLEÃO, 1999) O alékèsi (nome vulgar: são gonçalinho), erva atribuída ao orixá Oxóssi, simbolicamente manifesta-se como uma folha de defesa e proteção. Suas folhas são igualmente sagradas porque possuem o poder de afastar a negatividade. Por isso, segundo Barros e Napoleão (1999) suas folhas e seus galhos eram colocados sob a esteira da iaô com o intuito de protegê-lo durante o período de recolhimento. Protegendo-o deste modo às influencias de Exú e dos eguns. Sabe-se, a partir deste conhecimento não ocidental, que essas práticas tradicionais serviam e ainda servem à associação da saúde e bem estar dos grupos negros, esquecidos pelo sistema de saúde.

Ao se falar das práticas de saúde da população negra, fica evidenciado o sofrimento psíquico de um grupo acostumado ao (des)enraizamento de sua cultura. Revivida em sua plenitude nos espaços-terreiros, essas práticas tradicionais tem contribuído para a permanência e a manutenção das populações negras. Outro destaque pode ser citado durante uma conversa sobre amenidades entre membros da comunidade do terreiro Ile Asé Omin, localizado em Cachoeiras de Macacú, interior do município do Rio de Janeiro. Falava-se sobre a maternidade e como algumas mulheres, atualmente, não estariam preparadas ao seu exercício. Algumas diziam que muitas tinham seus filhos a partir da ajuda de parteiras,[1] na modalidade de parto normal e que logo após a dor do nascimento ficavam de resguardo, mas retornavam logo a rotina, diferente do que acontece hoje com as mulheres que preferem a cesariana. Segundo uma ekede da referida casa, isso seria uma incoerência, já que teve seus dois filhos com o auxílio de uma parteira. Explicou, ainda, que as mulheres mais velhas recomendavam o resguardo, e o hábito de uma alimentação reforçada para garantir um bom aleitamento e força da mãe. Quando a criança nascia, segundo ela, era fundamental garantir a proteção do bebê que ficava à cargo de pequenos patuás (breves), colocados por dentro da roupa e dos berços da crianças e no corpo da mãe, contra o mau olhado. Outro destaque de sua narrativa é que quando a criança bocejava demais era fundamental que a mesma fosse levada a uma boa benzedeira, a fim de tirar o temido mal de quebranto.[2] (PRIORE, 2007)

Muitas benzedeiras, como Ana Martins, citada no livro da historiadora Mary Del Priore, invocavam o nome dos santos de sua devoção por três vezes, benzendo o doente ou as suas roupas com a utilização de folhas específicas, potencializadas por palavras e rezas evocadas por certo número de vezes. Essas mulheres contribuíam para a saúde das populações negras, sendo perseguidas pela Igreja como feiticeiras, mortas ou aprisionadas por práticas de curandeirismos. Apesar de vilipendiadas pela sociedade ocidentalizada, elas eram reconhecidas e respeitadas por suas comunidades, devido ao seu conhecimento aprendido e transmitido pela oralidade. Saberes e fazeres que passavam de mãe para filha.  Percebe-se então que os espaços negros sempre foram os produtores de saúde da população negra, já que estão intimamente ligados à produção de saúde, mediante o restabelecimento da identidade cultural de seus adeptos, por meio de sua inserção na estrutura mítica que constitui uma visão de mundo totalitária.

 

3 Etnobotânica e sustentabilidade ambiental

 

O estudo do uso e conhecimento de plantas por grupos humanos tem sido objeto de pesquisas de grande relevância, e vem sendo incorporado na disciplina chamada etnobotânica. Numa perspectiva histórica e fitogeográfica, a etnobotânica torna possível o reconhecimento da distribuição, origem e diversidade de plantas cultivadas no tempo e no espaço. (ALBUQUERQUE, 1997a)

Com o desenvolvimento das ciências naturais e posteriormente da antropologia, o estudo das plantas e seus usos por diferentes grupos humanos passou a ter outra visão. A partir de meados do século XX, a etnobotânica começa a ser compreendida como o estudo das inter-relações entre povos primitivos e plantas, envolvendo o fator cultural e sua interpretação. (HAVERROTH, 1997)

Xolocotzi (1982) definiu a etnobotânica como o campo científico que estuda as inter-relações que se estabelecem entre o ser humano e as plantas através do tempo e em diferentes ambientes. Ford (1986) definiu como o estudo das inter-relações diretas entre homens e plantas. Ming (1995) ampliou o conceito, abrangendo todos os aspectos da relação do ser humano com as plantas, seja de ordem concreta (uso material, conservação, uso cultural, desuso) ou aberta (símbolos de culto, folclore, tabus, plantas sagradas).

Por causa dessa abrangência, a prática da etnobotânica necessita de uma elaboração e colaboração interdisciplinar, recebendo diferentes enfoques com o passar do tempo, cada qual refletindo a formação acadêmica dos pesquisadores envolvidos. Sendo de natureza interdisciplinar, permitiu e permite agregar colaboradores de diferentes ciências, com enfoques diversos como o social, cultural, da agricultura, da paisagem, da taxonomia popular, da conservação de recursos genéticos, da linguística e outros.

Os Jeje-Nagô, oriundos do sudeste africano, sempre utilizaram os vegetais não apenas como alimento e remédio para o corpo, mas também para o espírito, a fim de prover o bem estar pessoal ou coletivo. (ALBUQUERQUE, 1997b)

Diversos quintais possuem plantas para alimentação. Ervas medicinais de usos diversos, o que torna interessante uma leitura do papel da etnobotânica desses espaços para a sobrevivência e a vivência de saberes sobre a saúde, gestão de áreas de risco, e da biodiversidade, em outras matrizes culturais, que não só a europeia. Os saberes produzidos e guardados pela memória, reproduzidos pela oralidade, dão significação aos espaços dos quintais e das plantas neles inseridas, segundo nos informa Oliveira (2008). Os saberes etnobotânicos dos afrodescendentes, manifestados na gestão e planejamento de seus quintais, refletem os vínculos rurais e urbanos que parecem abrir caminho para a compreensão de novas territorialidades e desses espaços, importantes para construção de redes de solidariedade e trocas de saberes. Esses grupos formam verdadeiras comunidades tradicionais.

Nessa perspectiva, Diegues (1996) avança na caracterização das populações nomeadas tradicionais, definindo-os através de elementos tais como: dependência e simbiose[3] com a natureza; moradia e ocupação do território por várias gerações; importância das atividades de subsistência; reduzida acumulação de capital; tecnologia simples e de baixo impacto ao meio-ambiente; importância das simbologias, mitos e rituais associados à natureza e fraco poder político.

A noção de “população tradicional” expressa, segundo Barretto (2001, p. 110), “um conjunto de valores culturais coletivos relativos ao meio-ambiente – percepções, valores e estruturas de significação que orientam e estão na origem de certas políticas ambientais.” Por outro lado, tal conjunto de valores não garante e nem legitima o direito de permanência dessas populações em suas terras. (CARVALHO, 1992)

Baseada em conceitos advindos da Ecologia e da teoria biológica evolucionista, a sociedade ocidental adotou o conceito de sustentabilidade ecológica como principal referencial científico para se pensar as relações entre as populações humanas e o meio ambiente. A sustentabilidade ecológica pode ser entendida como a capacidade de uma determinada população ocupar um dado local, explorar os seus recursos naturais ao longo do tempo, sem por isso ameaçar a integridade ecológica do meio ambiente. (LIMA; POZZOBON, 2005)

Dentro dessa ótica, podemos afirmar que maior será o grau de sustentabilidade ambiental quanto menos houver a degradação ambiental, alterações microclimáticas, destruição de habitat, poluição e exploração de recursos renováveis, acima de sua capacidade de regeneração e resultante extinção de espécies. (SILVA et al., 2010; MARQUES; AGUIAR; SILVA, 2011) Nesse aspecto, podemos sugerir que  as comunidades terreiro apresentam elevado grau de sustentabilidade ambiental, uma vez que possuem baixa densidade populacional e demanda limitada por recursos naturais, além de um profundo conhecimento ecológico, perpetuado através da relação estreita com sua cosmologia.

Associado à classificação do grau de sustentabilidade da ocupação, identificamos o tipo de conhecimento que cada categoria socioambiental tem a respeito do ambiente que ocupa. Cultura ecológica mitógena (advinda do mito) é aquela em que os elementos do ambiente natural são pensados segundo seu papel no mito e seu lugar no cosmo nativo. (LIMA; POZZOBON, 2005)

Ossaim era o nome de um escravo que foi vendido a Orumilá. Um dia ele foi à floresta e lá conheceu Aroni, que sabia tudo sobre as plantas. Aroni, o gnomo de uma perna só, ficou amigo de Ossaim e ensinou-lhe todo o segredo das ervas. Um dia, Orumilá, desejoso de fazer uma grande plantação, ordenou a Ossaim que roçasse o mato de suas terras. Diante de uma planta que curava dores, Ossaim exclamava: ‘Esta não pode ser cortada, é a erva que cura as dores’. Diante de uma planta que curava hemorragias, dizia: ’Esta estanca o sangue, não deve ser cortada’. Em frente de uma planta que curava a febre, dizia: ’Esta também não, porque refresca o corpo’. E assim por diante. Orumilá, que era um babalaô muito procurado por doentes, interessou-se  então pelo poder curativo das plantas e ordenou que Ossaim ficasse junto dele nos momentos de consulta, que o ajudasse a curar os enfermos com o uso das ervas miraculosas. E assim Ossaim ajudava Orumilá a receitar e acabou sendo conhecido como o grande médico que é. (PRANDI, 2001, p. 152)

Esse tipo de cultura ecológica tem como peculiaridade a transmissão oral de conhecimentos de uma geração para a outra. A cultura ecológica das comunidades terreiro compõe-se de fragmentos de diversas tradições, não sendo referida a um cosmo único nem a um ciclo coeso de mitos. Como entre as sociedades ameríndias, a esta cosmoecologia correspondem modelos de interação com o ambiente embasados em uma série de mitos, sanções e tabus que regulam as atividades de exploração das diversas espécies naturais.

Segundo Jacobi (2003, p.191),

Refletir sobre a complexidade ambiental abre uma estimulante oportunidade para compreender a gestação de novos atores sociais que se mobilizam para a apropriação da natureza, para um processo educativo articulado e compromissado com a sustentabilidade e a participação, apoiado numa lógica que privilegia o diálogo e a interdependência de diferentes áreas de saber. Mas também questiona valores e premissas que norteiam as práticas sociais prevalecentes, implicando mudança na forma de pensar e transformação no conhecimento e nas práticas educativas.

A realidade atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na inter-relação dos saberes e das práticas coletivas que criam identidades e valores comuns e ações solidárias diante da reapropriação da natureza. Rattner (1999, p. 234) nos informa:

Enquanto as práticas dominantes na sociedade (econômica, política, cultural) são determinadas pelas elites de poder; essas mesmas elites são também as principais referências para a produção e disseminação de idéias, valores e representações coletivas. Assim, a força e a legitimidade das alternativas de desenvolvimento sustentável dependerão da racionalidade dos argumentos e opções apresentadas pelos atores sociais que competem nas áreas política e ideológica. Cada teoria, doutrina ou paradigma sobre sustentabilidade terá diferentes implicações para a implementação e o planejamento da ação social.

A forma como as diferentes comunidades-terreiro costumam usufruir dos recursos naturais pode ser um excelente indicador de sustentabilidade ambiental. Barros (1993, p. 40) sinaliza: “as plantas são muito sestrosas e se não se faz as coisas direito, elas desaparecem”. Caso a necessidade obrigue a coleta noturna, será necessário “acordar”a folha, que será colocada na palma da mão, uma por uma, dando três tapinhas e dizendo três vezes, ‘acorda’”.

Podemos presenciar em uma ocasião o relato de uma mãe de santo, que dizia:[4] “Toda vez que for coletar folhas para uma iniciação nunca se deve tirar mais que o suficiente, tendo o cuidado de sempre deixar alguns pés para futuras coletas”. Essa fala revela uma preocupação em usufruir dos recursos naturais sem esgotá-los ou comprometer suas reservas, o que poderia violar os direitos de uso por parte das gerações futuras. Podemos afirmar, dessa maneira, que a cultura ecológica das comunidades-terreiro contribuem não só para a manutenção da sabedoria ritualística, mas também para outros tipos de saberes. Tais princípios educativos se contrapõem a uma visão individualizante e burguesa do que se propõem como consciência ecológica.

Santos (2009) nos informa: “São saberes que muitas vezes são incorporados por pessoas de outras religiões.” Poderíamos nos reportar a Leonardo Boff como sendo:  um saber lidar com a água, com a terra e com as folhas que pode ser traduzido no “Saber Cuidar”, classificado pelo referido autor como postura ética diante do universo, reconhecendo-se o valor do que realmente importa, do que está relacionado não à lógica utilitarista do capital, mas à dimensão de alteridade, respeito, sacralidade, troca e complementaridade. (JESUS, 2008)

 

4 O culto às folhas e as divindades africanas

 

A utilização de espécies vegetais pelas comunidades afrodescendentes é essencial, e ocorre desde os seus primórdios. Na África eram utilizadas uma grande variedade de plantas, que tinham funções bem específicas no culto às diferentes divindades. De acordo com Voeks (1990) algumas dessas espécies só eram encontradas nesse continente, sendo muitas endêmicas, ou seja, só cresciam em determinadas cidades ou regiões.

Com a chegada de povos provenientes de outros continentes, entre eles os portugueses, começa-se a observar a introdução de novas espécies no território africano. Dessa forma essas novas espécies, até então desconhecidas, vão se incorporando ao cotidiano desses povos a ponto de serem utilizadas nos rituais aos orixás, inkicies e voduns. A partir do inicio do período escravocrata, diversas etnias africanas são levadas ao resto do mundo na condição de escravos.

Uma dessas rotas teve como destino o Brasil. Pois bem, ao chegarem a terras brasileiras os africanos se deparam com um mundo novo, uma fauna e flora bem diferente daquela a que estavam habituados. Na sua nova condição tiveram que se adaptarem as condições que lhe foram impostas. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o candomblé vai sendo moldado, novas folhas vão sendo incorporadas à ritualística.

Podemos exemplificar o culto a Opaoká,[5] divindade ligada aos orixás Odé e Inlé,[6] e as Iyami Eleye.[7] Em terras africanas o seu culto se fazia através do mogno africano (Khaya grandifoliola) sendo substituído pela jaqueira (Artocarpus heterophyllus) em terras brasileiras. (BARROS; NAPOLEÃO, 1999) É interessante observar que a jaqueira, por sua vez, foi introduzida no Brasil pelos colonizadores, sendo originária da Ásia. Da mesma forma temos a gameleira (Ficus doliaria) que aqui substituiu o verdadeiro Ìrókò africano (Chlorophora excelsa), citado diversas vezes por Verger (1995). Em algumas casas temos a arvore Òró (mangueira – Mangifera indica), servindo também como morada para Ìrókò. A mangueira, assim como a jaqueira, foi introduzida no país pelos portugueses, se tratando na verdade de uma árvore asiática e tida como sagrada entre os indianos, que a chamavam pelo nome sânscrito de “amra” (aquele que serve às criaturas). Um mito que ilustra a importância das árvores:

Um dia as Iá Mi vieram para a Terra e foram morar nas árvores. As Iá Mi fizeram sua primeira residência na árvore do orobô. Se Iá Mi está na árvore do orobô e pensa em alguém, este alguém terá felicidade, será justo e viverá muito na terra.As Iá Mi Oxorongá fizeram sua morada na copa da árvore chamada araticuna-da-areia. Se Iá Mi esta na copa da araticuna-da -areia e pensa em alguém, tudo aquilo de que essa pessoa gosta será destruído. As Iá Mi fizeram sua terceira casa nos galhos do baobá. Se Iá Mi está no baobá e pensa em alguém tudo o que é do agrado dessa pessoa lhe será conferido. As Iá Mi fizeram sua quarta parada no pé de Iroco, a gameleira-branca. Se Iá Mi esta no pé de Iroco e pensa em alguém, essa pessoa sofrerá acidentes e não terá como escapar. As Iá Mi fizeram um quinta residência nos galhos do pé do Apaocá. Se Iá Mi esta nos galhos do Apaocá e pensa em alguém, rapidamente essa pessoa será morta. As Iá Mi fizeran sua sexta residência na cajazeira. Se Iá Mi está na cajazeiraa e pensa em alguém, tudo o que ela quiser poderá fazer, pode trazer a felicidade ou a infelicidade. As Iá Mi fizeram sua sétima morada na figueira. Se lá Iá Mi esta na figueira e alguém lhe suplica o perdão essa pessoa será perdoada pela Iá Mi. Mas todas as coisas que as Iá Mi quiserem fazer, se elas estiveram na copa da cajazeira elas o farão, porque na cajazeira é onde as Iá Mi conseguem seu poder. Lá é sua principal casa, onde adquirem seu grande poder. Podem mesmo ir rapidamente ao além, se quiserem, quando estão nos galhos da cajazeira. Porque é dessa árvore que vem o poder de Iá Mi e não é qualquer pessoa que pode manter-se em cima da cajazeira. (PRANDI, 2001, p. 348)

Para o africano, cultivar a memória de seus ancestrais foi vital. A ancestralidade permitiu a manutenção da sua identidade enquanto povo, diante da diáspora. (CAPUTO;PASSOS, 2007) O saber ancestral que é cultivado hoje nas diferentes casas de candomblé é fruto da formidável capacidade de assimilação e recriação do saber de diversas etnias que aqui se encontraram. (LUZ, 2002) A partir desse olhar podemos dizer que houve uma hibridização[8] desses conhecimentos, o que fez com que fosse possível a sincretização das diferentes divindades. Assim o culto de Sogbò[9] é confundido com o de Xango,[10] Oyá[11] e Onira,[12] Oxún[13] e Dandalunda[14] etc. Observamos muitas vezes uma tentativa de uniformização no culto dos mesmos, que passam a receber oferendas e folhas semelhantes.

É interessante ressaltar que essas trocas já aconteciam em território africano, porém foram catalisadas quando em nosso país. Para tornar ainda mais complexa essa história, devemos nos lembrar dos povos que habitavam o Novo Mundo, os índios. Esses povos também possuíam um amplo conhecimento acerca das diferentes espécies vegetais brasileiras. Com a aproximação entre africanos e indígenas, a exemplo das comunidades quilombos, houve uma forte troca de conhecimentos. Esses conhecimentos foram incorporados no candomblé, principalmente os que cultuam os encantados conhecidos como caboclos. (SERRA, 1995)

Basta observarmos algumas similaridades entre Ossayin, orixá das folhas, e os Caboclos (entidades brasileiras das matas). Um elemento muito utilizado no culto das duas divindades é a folha do tabaco (Nicotiana tabacum). Entre os Krahô de Tocantins, é comum durante o ritual de cura, se fumar através de um cachimbo as folhas do tabaco e da maconha (Cannabis sativa). Cannabis esta que é originária da Ásia e que é conhecida nos candomblés Ketú como Ewé Igbó, sendo atribuída ao orixá Esú. (BARROS; NAPOLEÃO, 1999)

Um caso interessante é o do àgbàdó, nome pelo qual os iorubá dão ao milho (Zea mays). Embora já fosse utilizado antes do conhecimento oficial das Américas, tem como origem esse continente. Para os incas, maias e astecas tinha um cunho religioso fortíssimo. Os maias possuíam um deus do milho, de nome Yuin Kax, que trazia em sua cabeça o número oito. Essa divindade era tida como deus dos bosques, regendo a prosperidade e abundância, estando também relacionada à morte. Ora, o milho é a comida predileta de Oxóssi, deus da caça, aquele que habita as matas, que traz a prosperidade para a cidade, o que pode ser facilmente identificado em seus mitos. (AYOH’OMIDIRE, 2006) Oxóssi também tem estreita relação com a morte, sendo saudado de forma especial durante o asese, ritual iorubá fúnebre. (PRANDI, 2000) É com o milho que se prepara o doburu (pipoca) servido ao vodun Sakpatá,[15] intimamente ligado a Ikú (a morte).

Nossos índios guaranis também associavam o milho à figura do caçador, à chegada da prosperidade e também à transformação advinda da morte. Para ele,s o milho era um presente de Nhandeyara[16], sendo chamado de Avaty. (GUNFAREMIM, 2010) Trata-se de uma egrégora,[17] ou seja, esse conhecimento ancestral de certa forma acabou convergindo, se entrelaçando entre os diferentes povos. A partir dos estudos etnobotânicos, desvendamos as formas pelo qual essa memória vai sendo preservada e transmitida através das praticas ritualísticas e dos mitos.

 

5 A guisa de conclusão

 

No cenário contemporâneo, trabalhar questões relativas à produção de conhecimentos oriundos de comunidades não hegemônicas, já há muito estabelecidos e enraizados, implica em compreendê-los como formas de expressão da diversidade cultural vivenciada no Brasil. As relações entre saberes, técnicas e conhecimento acerca das folhas sagradas, advindas das comunidades tradicionais do candomblé, nos remetem a outras práticas de permanência e manutenção dos conhecimentos.

A escola, enquanto instituição social, tem a responsabilidade na construção e formação de conhecimentos que demonstrem as contradições ao se reproduzir e não reconhecer os saberes e fazeres das populações negras. Nessa perspectiva, é necessária a construção de novos conceitos que possibilitem a inclusão e a discussão das práticas tradicionais. Parte-se da premissa de que os saberes etnobotânicos produzidos e transmitidos nas comunidades-terreiros estão presentes, por exemplo, na forma de gestão das chamadas “roças de candomblé”, que refletem os vínculos rurais e urbanos ligados à compreensão de novas territorialidades, compondo dessa maneira, verdadeiras redes de solidariedade e de trocas de experiências.

Ainda nessa perspectiva, buscamos comprovar a relação de simbiose existente entre as comunidades de candomblé e os elementos naturais em que as mesmas estão inseridas. Esse “vivenciar a natureza” nos transporta a um conjunto de valores ancestrais, culturais e coletivos relacionados ao meio-ambiente, com percepções e estruturas de significação que estão na origem e podem servir como modelo para diversas políticas ambientais. Os fluxos de saberes etnobotânicos se manifestam até hoje na denominada diáspora africana, e na África também, seja na fitoterapia ou nas expressões de religiosidade através das plantas.

O terreiro de candomblé aparece como ponto de partida para a leitura da etnobotânica africana na diáspora. O terreiro representou uma estratégia de (re)territorialização dos descendentes de africanos na diáspora. Enquanto a quantidade de material bibliográfico vem crescendo de forma substancial, ações efetivas de implementação da Lei 10.639/03[18] por parte das instituições de ensino superior ainda são diminutas. Uma forma de ampliar a inserção e a discussão desta temática no interior dessas instituições se daria através da formação continuada de professores em educação para as relações étnico-raciais. Pouco se tem desenvolvido no sentido de aplicação e abordagem efetiva da Lei federal 10.639/03 nas salas de aula e demais espaços de discussão. Ressalta-se que grande parte dos docentes continua vinculada a uma visão eurocentrista, onde as contribuições tecnológicas dos povos africanos, pré-colombianos e indígenas são simplesmente suprimidas. Francisco Junior (2008, p. 405) nos informa: “A supervalorização de determinadas culturas, por exemplo, a européia, em detrimento de outras, é um ato discriminatório e que frequentemente passa despercebido.”

Neste sentido, é que ressaltamos a necessidade de se dispensar novos olhares sobre a práticas afrodescendentes de saúde, por meio da implementação da Lei nº. 10.639/03, sendo a etnobotânica uma importante ferramenta desse processo.

 

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[1] No Brasil, a tradição de partejar, assim como a de benzer, é resultado dos diálogos culturais entre africanas, indígenas e europeias. […] Desde épocas remotas, eram elas que viajavam de casa em casa, aldeia em aldeia, atuando como médicas locais. Portadoras de dons e conhecimentos que exigiam destreza com os segredos da natureza e da fé, foram permanentemente requisitadas por pessoas de diferentes classes. (SCHUMAHER; BRASIL, 2007, p. 177)

[2] Segundo a historiadora Mary Del Priore (2007), o mal de quebranto era capaz de adentrar nos corpos de homens, mulheres e principalmente dos infantes. O combate ao quebranto era velho conhecido das benzedeiras e curandeiras, que não hesitavam em utilizar-se das virtudes terapêuticas de espécimes vegetais típicas do Brasil.

[3] A simbiose é uma relação ecológica que implica em uma inter-relação de tal forma íntima entre os organismos envolvidos que se torna obrigatória. Os mesmos não conseguem sobreviver separados.

[4]

[5] Opaoká e Irókò são dois orixás fitomórficos, ou seja, segundo os mitos, possuem a forma de grandes árvores, sendo por assim representados pelas mesmas. (AYOHO’OMIDIRE, 2006)

[6] Odé e Inlé são orixás ligados à figura mítica do caçador, adquirindo assim suas características.

[7] As Iyami Eleye são a representação coletiva da ancestralidade feminina, sendo extremamente temidas e respeitadas dentro dos terreiros de Candomblé. (SILVA, V., 2010)

[8] Híbrido: qualidade de tudo o que resulta de elementos de natureza distinta, mistura de elementos distintos com geração de novas características.

[9] Sogbò: divindade do fogo, na verdade é um dos diversos voduns cultuados pelos Jejé. (FERRETI, 1996)

[10] Xangô: Divindade do fogo cultuada pelos Nagó, sendo por isso um orixá. (BASTIDE, 1978)

[11] Oyá é a deusa dos raios e tempestades, cuja origem geográfica é Tapa, passando a ser integrada no circuito religioso de Oyó, ramo do iorubá. (GLEASON, 2006)

[12] Onira, deusa do rio Osogbo, cultuada nas cidades de Ilexa e Ijebu. (GLEASON, 2006)

[13] Oxun foi esposa mítica de Xangô. É uma deusa nagô ligada à maternidade e às águas dos rios. (BENISTE, 2010)

[14] Dandalunda é um inkiece, ligado ao culto dos inkices, divindades de origem bantu. É a deusa da fertilidade e das águas. (PREVITALLI, 2008)

[15] Sakpatá é uma divindade cultuada nas casas Jejé e que foi assimilado nos rituais Nagô sob a denominação de Omolú. (FERRETI, 1996)

[16] Nhandeyara era um dos nomes dados ao Grande Espírito (Deus) por algumas tribos indígenas. Avaty foi uma figura mítica indígena, representado por um caçador.

[17]Egrégora, ou egrégoro para outros, (do grego egrêgorein – velar, vigiar), é como se denomina a entidade criada a partir do coletivo pertencente a uma assembleia, gerado pelo somatório de energias físicas, emocionais e mentais de duas ou mais pessoas, quando se reúnem com qualquer finalidade. Esse é um conceito místico-filosófico com vínculos muito próximos à teoria das formas-pensamento, onde todo pensamento e energia gerada têm existência, podendo circular livremente pelo cosmo. (PARACELSO, 1976)

[18] A Lei 10.639/03 torna obrigatório nas escolas o ensino da história e cultura africana. (BRASIL, 2003)

 

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Coletânea Candomblés: encruzilhadas de ideias pode ser acessada pelo link

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“Osain”

“Osain”

Quem quer folha, precisa cantar
Cantar para agradar a Natureza
Cantar para chamar o Senhor dos Mistérios da mata

Quem quer folha, tem que pagar
Pagar com fé e seus búzios reais
Pagar com cânticos e pedir…

Mais que pedir, saber pedir e encantar
Para que o Senhor do encanto, encante como manda seu coração

E ela, a Natureza que tudo transmuda, permitirá que Ele te atenda
Permitirá macerar seus sonhos e pedidos que germinarão milagres
Irá macerar seus desejos, pensamentos que Ele devolverá em essência de folha.
Cuidado!

Pague com cuidado,
Não ouse cantar Errado!
Se não quiser pagar pecado
E nunca peça à Natureza, folha com o Coração Zangado.

(Roger Cipó.)

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DICA DE LEITURA: MÃE AFRICA (CELSO SISTO)

O CORAÇÃO DO BAOBÁ

 

 

Ilustração Celso Sisto

Os baobás povoam a África há muito tempo, e são como muitos corações abraçados: fortes e inabaláveis. Mas também são retorcidos, como as voltas de uma história. E com raízes profundas e algumas cicatrizes..

A lebre, depois de um dia cheio de aventuras para obter comida, vinha voltando para casa de mãos abanando e estômago vazio. Certamente sua esposa reclamaria e falaria durante horas em suas já compridas orelhas. Aliás, vai ver que era bem por isso que suas orelhas eram tão grandes: para suportar melhor as reclamações dos outros! A lebre vinha de cabeça baixa, pois era tarde e o peso de tudo a incomodava.

Quando passou por baixo do Baobá, de um que sempre tinha de cruzar, para poder entrar em, sua toca, ouviu as folhas da grande árvore cantando:

” Caluê, caluê dendê.

Sem boca, cantamos pra você.

Caluê, caluê dendê.

Sem voz, falamos com você.

Caluê caluê dendê,

coração sem porta

abre e ninguém vê..”

A lebre jamais tinha reparado na voz daquele Baobá. Ficou com uma vontade enorme de parar e ouvir, mas assim que se encostou ao tronco da árvore, caiu num sono profundo.

 

Árvore Baobá, embondeiros, imbondeiros ou calabaceiras

Acordou assustada, sobressaltada, ainda mais atrasada do que nunca.. Mas parecia que o tempo tinha parado, pois as folhas da majestosa árvore ainda repetiam a mesma cantoria:

” Caluê, caluê dendê.

Sem boca, cantamos pra você.

Caluê, caluê dendê.

Sem voz, falamos com você.

Caluê caluê dendê,

coração sem porta

abre e ninguém vê..”

Então a lebre teve uma idéia. E era sua última oportunidade para não chegar de mãos vazias a sua casa:

-Sabe, seu Baobá? Sua sombra se espalha por um longo terreno, mas bem que seus frutos poderiam fazer o mesmo, não é?

Adansonia digitata (Igi Ose/ Baobá)

Parece que o Baobá aceitou a provocação da lebre, porque na mesma hora bateu uma rajada de vento e os frutos tomabaram aos milhares. A lebre ria de orelha a orelha, enquanto catava o que era possível..

Mas isso ainda não era tudo! Como se não bastasse, o Baobá também ofereceu à lebre o seu coração, cantando:

” Caluê, caluê dendê.

Sem boca, cantamos pra você.

Caluê, caluê dendê.

Sem voz, falamos com você.

Caluê caluê dendê,

coração aberto

abre abre hoje só pra você..”

E como num passe de mágica, o baobá! “shiiiiiishiiiiiiishiiiii!” foi abrindo devagarzinho o seu enorme tronco, deixando a lebre ver tudo o que havia por dentro. Um imenso tesouro, de que ninguém  suspeitava a existência:pedras preciosas, como o brilho da amizade, tecidos bordados em fios de ouro, como alinha que eleva um coração a outro, colares das mais reluzentes pérolas, polidas como o amor..

 

Fruto do baobá, conhecido como "pão de macaco" e muito apreciado na culinária africana

Os olhos da lebre se incendiaram diante de tamanha riqueza. Até faltavam-lhe olhos para admirar toda aquela preciosidade. Parecia que o Baobá dizia em seu ouvido:

Lebre… lebre… leve o que for possível carregar com você… é presente do meu coração!

Em meio ao maravilhamento a lebre se foi, carregando muitos presentes para a sua esposa, o que certamente a deixaria menos raivosa pelo atraso e pela ausência de caça, e … provalvelmente, mais vaidosa, pelo brilho que os enfeites iriam irradiar, de agora em diante.

Na mesma hora a esposa da lebre saiu enfeitada da cabeça aos pés, para exibir-se para a vizinhança. Em seu passeio, encontrou logo a hiena, que encheu os olhos de cobiça… A notícia já se tinha espalhado.

 

Fruto do baobá

-E então, comadre lebre, onde foi mesmo que seu marido arranjou todo esse tesouro?

-No velho Baobá, querida…. -foi logo dizendo a esposa da lebre. E aumentou a história, para parecer também mais importante aos olhos da vizinha. E quanto mais a lebre descrevia a aventura de seu marido, mais a hiena faiscava de inveja!

-Eu também irei até esse Baobá… Pode esperar! Quero só ver o que ele tem para me dar!

Dito e feito. Entre um pôr-do-sol e um amanhecer, lá estava a hiena para tentar a sorte com o Baobá. E tudo se passou exatamente como a lebre havia contado. O Baobá cantou, alargou sua sombra, espalhou seus frutos, abriu seu coração e ofereceu seus tesouros à hiena.

Mas a hiena era mais gananciosa do que o Baobá pensava. Foi pegando tudo e caiu na besteira de levar consigo um enorme embornal, para enchê-lo também de jóias. E ainda fez pouco caso quando pensou ter ouvido o Baobá dizer:

-Leve hiena… leve o que for possível carregar com você… é presente do meu coração!

Com seu riso costumeiro, a hiena dizia para si mesma:

-Eu quero isso… e mais isso… eu quero tudo, tudo só para mim… e se eu não puder levar tudo hoje, pode estar certo de que voltareis em breve para dizimar esse Baobá.

De repente, parece que o Baobá pressentiu o perigo! Rapidamente fechou seu tronco e seu coração, e a hiena ficou lá, presa para sempre. E morta!

É por isso que o Baobá não abre mais seu imenso tronco; nem para os homens, nem para os animais. Ninguém sabe dos intermináveis tesouros que há em cada uma dessas enormes árvores.

Mas de uma coisa todo mundo ficou sabendo: desde esse dia, tudo ficou mais difícil para as hienas. Elas se viram, de repente, obrigadas a vagar pelo mundo à procura de carne. Nada do que é vivo serve, pois elas só comem carne morta.

E os baobás continuam desafiando o tempo e os homens. E os homens podem ainda escolher, se querem ser como os baobás ou como as hienas…

” Caluê, caluê dendê.

Sem boca, cantamos pra você.

Caluê, caluê dendê.

Sem voz, falamos com você.

Caluê caluê dendê,

coração sem porta

abre e ninguém vê..”

MÃE ÁFRICA: MITOS, LENDAS, FÁBULAS E CONTOS.

Autor: Celso Sisto

Editora: Paulus, 2007,

144 páginas.

 

Ilustração Celso Sisto

 

 

 

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DICA DE LEITURA: SEIS PEQUENOS CONTOS AFRICANOS (RAUL LODY)

 

CATENDÊ, O DONO DAS FOLHAS

 

SEIS PEQUENOS CONTOS AFRICANOS (RAUL LODY)

“Em todas as matas mora Catendê, um grande inquice, senhor da natureza, dono dos vegetais.

Catendê acompanha o nascimento dos frutos, toma conta das árvores e comanda o equilíbrio ecológico do mundo. Por isso Catendê combate o desmatamento e a derrubada das grandes árvores. Ele quer guardar as coisas da natureza para o homem de hoje e para as gerações futuras.

Catendê também conhece todos os usos medicinais das folhas, raízes, frutos e cascas dos vegetais. Ele atua até mesmo nos rituais religiosos, indicando as ervas que serão usadas nos terreiros.

Por tudo isso, Catendê é muito respeitado. Como guardião da natureza. vive embrenhado nas folhas, nos cipós e nas flores, viajando sempre pelas matas, domínios que ele conhece e dos quais ele cuida para o uso e a felicidade do homem.

Catendê é o dono de todas folhas que servem como remédios. Ele também é o dono das folhas que servem para os segredos da religião dos bantos. Catendê guarda todas as folhas dentro de uma cabaça. Quando alguém precisa tomar um remédio ou fazer uma obrigação religiosa, pede a folha a Catendê. O inquice tira a folha da cabaça e dá para a pessoa.

 

Ilustração de Raul Lody

Catendê- Ilustração Raul Lody

Ilustração Raul Lody

 

 

Seis pequenos contos africanos sobre a criação do mundo e do homem.

Autor: Raul Lody

Editora Pallas, 2008. 32 paginas.

 

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Bujè- Jenipapo (Genipa americana) REPOSTAGEM (02/04/2011)

 

Genipa brasilienses

O jenipapeiro (Genipa americana) é uma árvore nativa, tendo origem na América Central e América do Sul, estando presente na região Amazônica e na Mata Atlântica. Costuma ter um porte elevado, chegando a 20 metros de altura e com copa vistosa. Pertence a família das rubiáceas, mesma do café. Sua madeira é macia e elástica, rachando com facilidade. É utilizada em marcenaria de luxo, construção civil e naval, em tanoaria e xilogravura.

Seu fruto é conhecido como jenipapo, nome de origem tupi-guarani que significa “fruta que mancha”, ou ainda, “fruta que serve para pintar”. Isso porque era hábito muito comum em diversos grupos indígenas utilizar o fruto do jenipapo para cobrirem seus corpos, um dos motivos era que protegia a pele contra insetos, durando por vários dias. É interessante observar que as pinturas eram feitas com o fruto ainda verde, que tinha suas sementes retiradas e produzia um suco, inicialmente incolor, e que em contato com o ar sofria oxidação e se tornava azul escuro, quase preto.

Essa coloração se deve a presença de uma substância corante denominada genipina, que perde sua ação corante com o amadurecimento do fruto. Por isso quanto mais verde for o fruto, mais escura será a coloração do suco, que adquire a consistência do nanquim. Esse corante também pode ser utilizado para tingir tecidos, peças de cerâmica e tatuagens (que desaparecem após algumas semanas).

Ainda com relação ao seu nome, segundo Nei Lopes  o termo jenipapo se refere também a uma mancha escura que alguns recém-nascidos mestiços teriam na sua região glútea ou quadris, indicando assim sua origem africana.

 

Jenipapo- Jardim Botânico do Rio de Janeiro

O jenipapo é um fruto rústico de aroma forte e extremamente ácido, quando consumido ao natural. Para ser aproveitado deve ser colhido no momento certo, apresentando um sabor extremamente acentuado, e que costuma agradar a poucos. É muito apreciado no Nordeste, onde costuma servir como matéria-prima na confecção de doces, xaropes, licores e vinhos. Minha mãe, que era do Amazonas, adorava licor de jenipapo, me recordo que tinha um aroma maravilhoso.. Depois que ela foi iniciada no Candomblé foi proibida de comer a fruta.

Além da genipina, o jenipapo é rico em ferro, cálcio, vitaminas B1, B2, B5, C e carboidratos, o que justifica a sua utilização em casos de anemia e como fortificante. Também é muito empregado como estimulante do apetite e no tratamento de doenças do baço e fígado.

 

 

 

Bujè- Jenipapeiro

Entre as populações indígenas o corante extraído de seus frutos e da madeira há muitos séculos é utilizado em diversas cerimônias, junto com urucum e a tabatinga. O habito de pintar o corpo é uma das principais características culturais de cerca de 200 sociedades indígenas existentes no país. Entre os índios Wajãpi (Amapá) essas pinturas recebem a denominação de kusiwa, representado criaturas míticas ou animais. Segundo os Wajãpi, a tinta do jenipapo teria o poder de chamar a atenção dos espíritos da floresta e dos mortos, enquanto o cheiro e a coloração avermelhada do urucum os protegeria dessas entidades. É interessante observar que em crianças recém-nascidas e pessoas muito doentes o padrão kusiwa seria evitado, afim de não exporem os mesmos a essas forças sobrenaturais, o que poderia representar um risco para os mesmos. Isso me faz lembrar alguns casos do Candomblé, onde também evitamos que determinadas pessoas passem por certos tipos de rituais.. É o caso dos abikú, que ao se iniciarem não podem passar pelos mesmos rituais de pessoas “normais” exatamente para evitar que os espíritos que os acompanham possam colocar em risco a vida dessas pessoas. Nesse caso, as pinturas no corpo também desempenham um papel importantíssimo..

Na região do Xingu e Tocantins habitam os Assurinis, que utilizam as mãos ou talos de madeira para aplicarem a tintura de jenipapo e urucum em seus corpos. Alguns motivos mais elaborados podem ser feitos a partir de “carimbos”, feitos com o caroço da fruta inajá (Maximiliana maripa) partida ao meio e mergulhados na tintura. Já entre os Xicrim (subgrupo Caiapó) o jenipapo mastigado e misturado com água e carvão, é aplicado entre as mulheres e nos seus filhos. Os Bakairi (Mato Grosso) também se pintam com o extrato do jenipapo durante diversas cerimônias.

Era costume entre as mulheres Yorubá enfeitar os corpos e o rosto com pinturas e cortes, um dos principais corantes utilizados era a tinta de uma árvore conhecida como bùje. As pinturas feitas com esse corante demoravam pra sair da pele, embelezando por vários dias essas mulheres, que eram muito vaidosas. O nome dessas pinturas era ínábùje.

Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Nas casas de Candomblé o jenipapeiro é conhecido como Bùjé, sendo uma das principais folhas do orò de Obaluaye e Omolú. É considerada por muitos, indispensável, tanto nos rituais de iniciação como em obrigações dos filhos deste orixá, sendo uma das principais folhas utilizadas no àgbo dos mesmos. Sua relação estreita com esse vodun/orixá nos permite classificá-la como uma folha da terra (ewé ile), o que justifica a sua utilização em trabalhos para curar ataques epiléticos, doença geralmente associada ao referido orixá. Alguns desses trabalhos são feitos em baixo do pé de jenipapo, onde são dados golpes de faca na árvore, e pede-se que a doença seja levada embora. Esse mesmo trabalho também costuma ser destinado ao inkicie Kitembo (Tempo) e também ao vodun Loko. No ritual Angola são feitos determinados trabalhos onde animais são pendurados (e mumificados), preferencialmente nos galhos do jenipapeiro, iroko ou da cajazeira, que devem estar próximas ao assentamento desse inkicie. Isso demonstra ainda mais a importância dessa folha, uma vez que pode substituir duas árvores consideradas de grande poder dentro do Candomblé: a cajazeira e iroko. Suas folhas também servem para forrar a vasilha em que é servido o doburú do “velho”.

O jenipapo possui grande prestígio no Candomblé, pois segundo um itan narrado em Ejionile (Ejiogbé), foi utilizado para salvar um homem de Ikú (a morte). Esse homem passou a tinta do Bujé no corpo e não foi reconhecido por Ikú. Nunca devemos esquecer que esse Odú Agbá carrega consigo o segredo da vida e da morte, por detrás do pano branco se esconde também um pano negro..

É por isso que essa folha costuma ser muito empregada nos rituais de retirada de mão de zelador falecido (Mão de Vumbe) e em banhos de limpeza.  Na Santeria Cubana se costuma afirmar que a fumaça da madeira dessa árvore é ótima para afugentar os feitiços, pois ela é capaz de deixar os olhos dos feiticeiros totalmente confusos. Salve a fruta da minha infância, viva a folha Bujé!!! Atoto!!!

TEXTO ESCRITO POR JONATAS GUNFAREMIM (PLÁGIO É CRIME- CITE A REFERÊNCIA)queima de 48

 

Obaluaye/Omolu

TEXTO ESCRITO POR JONATAS GUNFAREMIM

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Amúnimúyè (Centratherum punctatum)Balainho-de-velho, perpétua-roxa, perpétua-do-mato (REPOSTAGEM 10/01/12)

Conta a lenda que “Oxóssi, o grande caçador e rei da nação Ketu, foi avisado do perigo que corria ao percorrer todos os dias os domínios de Ossain. Este orixá, dono das “folhas” costumava prender junto a si aqueles que se aventuravam em suas matas. Certo dia, deu-se o encontro e Oxóssi bebeu da poção que Ossain lhe ofereceu, permanecendo junto a ele sem consciência de quem era, esquecendo sua família e seus afazeres. Havia tomado amúnimúyè, a “folha do esquecimento” ou “a que tira a consciência”” (PESSOA DE BARROS, 1994).

 

Balainho de velho (amúnimúyè)

A folha que nos referimos é conhecida nas casas de Candomblé como amúnimúyè, que significa “aquela que se apossa de uma pessoa e de sua inteligência”. Devido a suas propriedades mágicas é considerada importantíssima nos rituais de iniciação, onde, associada a outros componentes, irá facilitar o transe e permitir que o orixá se aproxime de seu filho. Embora esteja ligada ao transe, é considerada uma folha eró e não gún. Seu principal aspecto é masculino e seu elemento é o ar.

No Brasil o amúnimúyè é também conhecido pelos nomes balainho-de-velho, perpétua-roxa ou perpétua-do-mato. Em terras tupiniquins, a espécie original (Senecio abyssinicus) foi substituída pelo Centratherum punctatum, ambas pertencentes à família botânica Compositae, segundo nos informa Eduardo Abiodun.

 

 

 

Centratherum punctatum (Jardim Botânico do Rio de Janeiro)

Estudos das folhas de balainho-de-velho, baseados em análises fitoquímicas, revelaram a presença de, pelo menos 49 componentes, entre flavonóides, taninos e glicosídeos, dos quais os flavonóides apresentaram comprovada atividade antibacteriana. Outras substâncias abundantes nesses extratos vegetais foram os sesquiterpenos, presentes em diversos óleos essenciais. Além da ação antimicrobiana, o extrato de balainho-de-velho também apresentaria propriedades antioxidantes.

 

 

 

 

 

 

Senecio abyssinicus

Um fato interessante dessa planta é que ela se destaca como uma das principais flores visitadas pelas abelhas da espécie Apis mellifera, sendo excelente fornecedora de néctar, ajudando assim no aumento da produção de mel. Segundo é bem conhecido por todos no Candomblé, o mel é uma das principais kizilas (ewó/interdito) de Oxóssi.. Dizem que quando ele come mel, fica completamente perdido, sendo facilmente dominado.. Igual a Barú quando come ilá (quiabo).. Lembram da lenda que contamos? Ossain não era bobo e sempre carregava amúnimúyè em sua grande cabaça (igbá) do mistério.

TEXTO ESCRITO POR JONATAS GUNFAREMIM (PLÁGIO É CRIME- CITE A REFERÊNCIA)queima de 48

 

SAIBA MAIS LENDO:

PESSOA DE BARROS, J. F. . Aspectos Simbólicos da Possessão Afro-Americana. In: Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos; José Flávio Pessoa de Barros. (Org.). Reflexões sobre José Marti. Rio de Janeiro: PROEALC / CCS / UERJ, 1994, v. 1, p. 25-38.

Composition of the Leaf Oil of Centratherum punctatum Cass. Growing in Nigeria. ISIAKA A. OGUNWANDE ET AL.

Journal of Essential Oil Research/497 Vol. 17, September/October 2005.

Leaf extract of Centratherum punctatum exhibits antimicrobial, antioxidant and anti proliferative properties. NAVEEN KUMAR PAWAR & NEELAKANTAN ARUMUGAM

Asian Journal Pharm Clin Res, Vol 4, Issue 3, 2011.

TEXTO ESCRITO POR  JONATAS GUNFAREMIM

 

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Owérenjèjé, Ewé Jejé, Ewé Àse, Mísínmisìn (Abrus precatorius) (REPOSTAGEM DE 12/01/2010)

Jequiriti, olho-de-pombo, tento-miúdo, olho de saci, olho- de-exú.

Trepadeira nativa da Mata Atlântica e de Florestas do Caribe, essa folha possui imenso prestígio entre os adeptos do Candomblé, pois é uma das principais folhas de Esú e Osaiyn. Algumas pessoas costumam brincar que enquanto Ogún se veste com o mariwo, Ossaiyn se veste com o owérenjèjé. Outro nome que recebe é Ewé Àse (folha do poder), denotando assim sua grande força e motivo pelo qual merece destaque. Embora seja considerada a primeira folha do orò, durante o ritual da Asà Òsányìn é a folha que deixamos para cantar por último, momento em que, logo após, se canta para Esú Odara. O tento miúdo guarda muitos mistérios consigo pois, ao mesmo tempo que permite que o Esú individual (Bara) dê caminhos aos homens também pode trazer muita confusão e discórdia, quando empregada de forma incorreta.

É muito usado dentro da Santeria na forma de Omí eró, os negros cabinda a chamam pelo nome de Nfingu e utilizam suas folhas para acalmar a tosse, maceradas com vinho de palma ou simplesmente mastigando-as. Entretanto, o jequiriti é extremamente tóxico, uma vez que de suas sementes é extraída uma grande quantidade de proteínas venenosas, entre elas a abrina, que possui ação parecida com o veneno da víbora. Por isso está incluída entre as plantas mais venenosas do mundo. Suas propriedades toxicológicas e fisiológicas são capazes de aglutinar hemácias impedindo assim a circulação do sangue, sendo altamente letais em pequenas quantidades. Essa planta ficou muito conhecida no filme “A Lagoa Azul”, pois teria sido a “planta proibida” que após ser ingerida pelo casal de amantes levou os mesmos a morte.

Na fitoterapia, suas folhas costumam ser aplicadas em solução sobre a pele, em caso de eczemas cutâneos e para tratar conjuntivite (1 mL de líquido da semente em 100 mL de água). As sementes servem como contraceptivo oral, misturadas com outros ingredientes. É importante observar que a ingestão de suas sementes cruas pode causar dor abdominal, náusea, vômito, diarréia, calafrios, vertigem, desmaios e sangramento retal. Alguns estudos revelaram que a abrina quando aplicada na forma de injeção subcutânea pode causar convulsão e morte devido à paralisia cardíaca. Por isso devemos ter muito cuidado com a utilização desse poderoso ewe, que é extremamente quente (gún).

 

Abrus precatorius

Owérenjèjé Owérenjèjé

Ewé pákún obarìsà

Ìbà ni bàbá

Ìbà ní yèyé

Ìbà ‘ba mi s’omo

S’omo mà ‘rò

A fi ipa nla d’à

K’orò ko ba

Ògún Akóro Oba Aláyé

Òdé Àrólé Oba Aláyé

Òsun Èwùjí Ìyá Aláyé

Yemojá Àòyó Ìyá Aláyé

Oba Alado Oba Aláyé

Bàbá Àjàlé Oba Aláyé

Òrìsà gbogbo Oba Aláyé

 

 

Owérenjèjé Owérenjèjé

Folha poderosa do orixá

A benção é do pai

A benção é da mãe

A benção, pai que acolhe o filho

Que os filhos façam devidamente o ritual

Aquele que usa grande força para ordenar

Que o ritual não falhe

Saudamos Ogum, Rei do Mundo

Saudamos Oxossi, Rei do Mundo

Saudamos Oxum, a Mãe do Mundo

Saudamos Iemanjá, a Mãe do Mundo

Saudamos Xangô, Rei do Mundo

Saudamos Oxalá, Rei do Mundo

Saudamos todos os orixás, Reis do Mundo

 

 

 

Ewêronjejê, ewêronjejê

Maladiorixá Baracobatalá

Igbare babá igbá ô

Igbá Yeyê igbá ô

Iyá moro abewá gbogbo orisá

Tum tum tum ô tum Tum

Menem indá ke ninjô ki feromá

Da ki ninjô labo ejé

Omon ikú ô lesse babá

Ewe si ewápegi, Ewe si ewápegi

Orolufan Ganjú laê

Ewe si ewapegi

 

Oni sebewá, Oni sebewá

Babá Igbô Oni sebewá

 

TEXTO ESCRITO POR JONATAS GUNFAREMIM (PLÁGIO É CRIME- CITE A REFERÊNCIA)queima de 48

 

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Ewe Ábèbè Òsún- Erva capitão (Hydrocotyle bonariensis) REPOSTAGEM (30/07/09)

 

Foto tirada em Janeiro de 2011 na Praia da Barra da Tijuca (RJ).

Folha muito apreciada pela Senhora das Águas, Òsún. Erva de muito asé e que traz muita prosperidade. Sua aparência lembra o abebe de Òsún (e também Iyemonjá) sempre traz consigo, e que utiliza tanto para se admirar, como para se proteger dos seus inimigos. Outros nomes que recebe são: erva-tostão e folha-de-dez-réis, sugerindo que suas folhas lembram moedas, dinheiro. É interessante observarmos que essa denominação vai de encontro a sua utilização nas casas de candomblé, que a utilizam para atrair a prosperidade dessa iyagbá, que ama o ouro. Ainda chamamos o abebê de acariçoba, lodagem, erva-capitão e em Portugal é conhecida como chupa-chupas (pirulitos).

O nome grego Hydrocotyle refere-se à afinidade de muitas destas plantas pela água (Hydro significa água) e ao formato das folhas (kotyle= significa pequena xícara). Existem diversas espécies pertencentes a gênero Hydrocotyle, entretanto podemos destacar duas: a H. vulgaris, que gosta de lugares alagados e possui folhas na posição horizontal (viradas para cima) e a H. bonariensis, que vive em solo arenoso perto da praia com folhas que ficam na vertical (em pé).

 

Folha de abebê de Oxum.Segundo os antigos, o abebê utilizado para Òsún seria aquele que nasce na beira d’água, enquanto aquele que nasce em locais secos seria atribuído ao orixá Sango, sendo inclusive uma de suas maiores folhas de fundamento. A Hydrocotyle bonariensis é uma espécie pioneira, típica de restingas litorâneas, formada por um caule comprido, rastejante, que se subdivide várias vezes e que, a intervalos irregulares, vai lançando hastes verticais, ora com folhas ora com flores. Como o caule está soterrado na areia, só as folhas e inflorescências ficam visíveis. Na praia da Barra da Tijuca essa espécie é vista em abundância vegetando próxima dos quiosques.

 

Na fitoterapia costuma-se fazer uma espécie de creme com as folhas para aplicar na pele, com o intuito de acabar com manchas e sardas. A ingestão das folhas é contra-indicado, devido às mesmas serem consideradas tóxicas, entretanto suas raízes costumam ser utilizadas em decoctos, tida como diurética e desobstruente do fígado, porém é emética (provoca vômito) em doses fortes. Sua função diurética também faz com que seja utilizada no tratamento de hipertensão arterial. Seu uso durante a gestação deve ser evitado. Pessoa de Barros e Eduardo Napoleão em sua obra Ewé Òrìsà (1999) citam que suas folhas teriam ação calmante e tonificante cerebral, quando ingeridas com leite.

 

 

Por isso cantamos para essa folha, que dá poder para quem canta:

Ábèbè ni gbo wa Ábèbè ni n’bó

Ewe ábèbè Ábèbè ni gbo wa Ábèbè ni n’bó

Ewe ábèbè

Tradução livre: É a folha de Abebe que iremos ouvir Folha que cultuamos sobre a ení, Folha do Abebeemails de pessoas juridicas de rio de janeiro.

 

TEXTO ESCRITO POR JONATAS GUNFAREMIM (PLÁGIO É CRIME- CITE A REFERÊNCIA)queima de 48


 

Flores do abebê da praia

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Estudo revela que árvores gigantes cariocas foram preservadas por razões religiosas e práticas

ESTÃO DESCOBRINDO AQUILO QUE NÓS, RELIGIOSOS DE MATRIZ AFRICANA E INDÍGENA, JÁ ESTAMOS CANSADOS DE SABER..

LEIAM ESSA REPORTAGEM! FONTE: http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/estudo-revela-que-arvores-gigantes-cariocas-foram-preservadas-por-razoes-religiosas-praticas-16503328

Levantamento do Departamento de Geografia da PUC-Rio indica como figueiras, jequitibás e jatobás foram capazes de resistir ao tempo

POR ANA LÚCIA AZEVEDO 

20/06/2015 6:00

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/estudo-revela-que-arvores-gigantes-cariocas-foram-preservadas-por-razoes-religiosas-praticas-16503328#ixzz3dk7Bhb1F
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RIO — Elas são imensas majestades. Visões do passado. E representam esperança para o futuro. Sobreviventes da Floresta Atlântica original em todo o luxo, poder e glória, as grandes árvores se destacam em meio à multidão de vizinhas de dimensões acanhadas, típica das matas secundárias, replantadas. As gigantes estão logo ali nas urbanas florestas da Tijuca e da Pedra Branca, assim como nas demais remanescentes do bioma. Acessíveis a qualquer um que queira vê-las, tocá-las, apreciá-las.

 

Estudos recentes sobre a Mata Atlântica traçam um cenário de céu e inferno. Descobriu-se que, uma vez destruída, a mata leva até dois mil impossíveis anos em escala de vida humana para recuperar a biodiversidade. Porém, a plenitude de algumas dessas gigantes aponta caminhos para restaurar aquele que é considerado um dos mais ricos biomas do mundo, essencial para a existência da água que abastece Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e outros tantos estados do Brasil. Uma floresta que integra o sistema de controle do clima regional e, mesmo reduzida a menos de 8% do tamanho pré-Descobrimento, fornece ativos com aplicação farmacêutica e biotecnológica.

 

A sobrevivência das gigantes das florestas cariocas resulta da peculiar combinação de tradições religiosas, superstição e, no fim das contas, uma mistura de pragmatismo com certa dose de preguiça. Estudo do grupo de Rogério Ribeiro, pesquisador do Departamento de Geografia da PUC-Rio, revela a mão do acaso na salvação de figueiras, jequitibás, jatobás que ainda vivem em lugares como as matas junto à Vista Chinesa e ao Cristo Redentor. Árvores com fôlego para superar os 30 metros de altura e séculos de frondosa resistência.

 

UM CASO EXEMPLAR

O caso da Floresta da Tijuca é exemplar. Notoriamente replantada no trabalho do major Manoel Gomes Archer que beirou o heroísmo, ela também abriga gigantes nascidas antes de o major vir ao mundo e D. Pedro II mandar a recuperar a floresta para salvar o Rio da falta d’água nos anos 1860. De fato, pelos cálculos de Ribeiro, Archer e os escravos que trabalharam com ele plantaram 105 hectares — o que não é pouco. Mas a natureza fez a maior parte do restante, mesmo se forem levados em conta os esforços de sucessores de Archer, como o Barão d’Escragnolle. E a natureza pôde cobrir suas cicatrizes, em parte, porque árvores nativas como as figueiras ainda estavam lá.

A salvação das figueiras é obra do Divino. As figueiras estão na tradição religiosa cristã e africana, explica Rogério Ribeiro. Daí que cortá-las era um passo para a danação.

— No Evangelho de São Marcos há um trecho que menciona o fato de Jesus ter secado as figueiras que não davam frutos — diz ele. — Por muito tempo, se considerou péssima idéia tocar em figueiras; na verdade, tocá-las era um passo para a maldição. Fazendeiros e carvoeiros derrubavam vastas áreas, mas muitas vezes poupavam as figueiras.

 

Já na tradição religiosa trazida pelos africanos, a figueira não é temida, mas querida. É associada a Iroko, um orixá muito antigo no candomblé ketu. Segundo algumas tradições, seria a primeira árvore a ter sido plantada. Em outras, ele habitaria a árvore que no Brasil seria a gameleira ou figueira-branca. Há várias concepções. Em todas, a presença do sagrado.

As árvores de origem de todas essas crenças são de espécies africanas ou do Oriente Médio e Europa. Mas isso não fez muita diferença por aqui.

 

— Claro que se tratam de figueiras de espécies distintas das que existem aqui. Mas essa diversidade botânica nunca interessou aos colonos e fazendeiros de origem portuguesa e tampouco aos escravos africanos. Figueira era figueira e ponto. A maioria é muito parecida — explica Ribeiro.

Os escravos africanos foram ainda os responsáveis pela proliferação de plantas bem menores, mas muito conhecidas, como as espadas-de-São-Jorge (e de Iansã), comigo-ninguém-pode e bastões-de-Xangô. Todas plantas africanas com mudas trazidas da África pelos escravos.

— Eram vistas como sagradas e se adaptaram muito bem à Floresta Atlântica. Hoje, são tão comuns que muita gente as imagina como nativas. Na verdade, são estrangeiras que se sentem em casa. E é errado tratá-las como invasoras, porque não fazem mal algum à mata e estão em equilíbrio — observa Ribeiro.

 

 

Jequitibá na Floresta da Tijuca resistência ao tempo: Ana Lúcia Azevedo/ Agência O Globo

 

TAMANHO PROTEGEU JATOBÁS E JEQUITIBÁS

 

Outras árvores de grande porte, como jequitibás e jatobás centenários, foram salvas pelo próprio tamanho.

 

— Muito do desmatamento não foi feito apenas para a lavoura. A fabricação de carvão vegetal, que fornecia considerável parte da energia do Rio, dependia do abate das árvores das florestas dos maciços da Tijuca e da Pedra Branca. Porém, para queimar a lenha e fazer carvão era melhor usar árvores menores, fáceis de abater, em vez de uma gigante, principalmente se esta ficasse nas partes mais elevadas das encostas — explica o pesquisador.

 

Derrubar um jequitibá de 20, 30 metros implicava em cortar as toras e trazer tudo para as partes mais baixas, onde ficavam as carvoarias. Estas eram estruturas rudimentares, arredondadas e insalubres, cujos vestígios são encontrados em triste profusão logo abaixo do subsolo das florestas do Rio. Estão por toda parte. Uma carvoaria descoberta recentemente fica na trilha que leva o nome de um jequitibá milenar e morto há alguns de velhice, a cerca de um quilômetro da estrada para a Vista Chinesa.

 

— Havia muitas carvoarias. Foram essenciais para a cidade por séculos. Descobrir seus restos, porém, não é nada fácil. Os carvoeiros que trabalharam nessas florestas até mais ou menos a reforma de Pereira Passos (na primeira década do século XX) tinham uma vida miserável e deixaram poucos vestígios — conta Ribeiro.

 

A análise do carvão encontrado nesses sítios arqueológicos, todavia, tem contribuído para reconstituir a paisagem da floresta do passado e descobrir que árvores menores, hoje desaparecidas, foram torradas para fornecer energia à cidade.

 

Nem todas as gigantes são sobreviventes da velha floresta. Algumas são pioneiras dos primeiros tempos da restauração e hoje exibem copas quase tão frondosas quanto suas vizinhas mais antigas. Dentre essas espécies estão o jacatirão e a carrapeta, importantes para o estabelecimento do que a ciência chama de floresta secundária, uma mata sem a riqueza biológica da antecessora, mas já capaz prestar serviços ambientais essenciais, como a manutenção de mananciais.

 

— Todas têm um papel relevante. O papel das figueiras para a fauna é imenso. Mas as pioneiras criam condições para a volta de outras espécies — frisa Ribeiro.

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Odundun, Teté, Rinrin

 

..”At’òjò àteèrùn kì í re òdúndún

At’òjò àtrùn kì í re tètè

At’òjò àtrùn kì í re rinrin..”

 

..”Odundun nunca está doente, nem na estação chuvosa nem na seca

Teté nunca está doente, nem na estação chuvosa nem na seca

Rinrin nunca está doente, nem na estação chuvosa nem na seca..”

 

 

Que a saúde e a paz sejam sempre presentes

 

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